Memorial das Matriarcas Odé Kayodé homenageia lideranças do candomblé da Bahia
Novo equipamento cultural no Pelourinho celebra o legado de Mãe Stella e das lideranças femininas do candomblé.

A Bahia ganhou um novo espaço cultural dedicado à memória, à ancestralidade e à trajetória das principais matriarcas das religiões de matriz africana. O Memorial das Matriarcas Odé Kayodé foi inaugurado, na noite desta quinta (27), na casa onde nasceu uma das mais importantes ialorixás do Brasil, Mãe Stella de Oxóssi (Odé Kayodé). O espaço integra o complexo museal do Solar Ferrão, na Rua Gregório de Matos, 45, no Pelourinho, e funcionará de terça a sábado, das 10 às 17h.
A iniciativa é do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura (SecultBA), via Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC), e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi). Fundamentado na museologia social e comunitária, o Memorial coloca as comunidades tradicionais de terreiro no centro das ações de preservação e difusão de saberes, práticas e objetos simbólicos, valorizando as memórias das matriarcas das casas primazes do candomblé.
Lideranças religiosas, o povo de santo e autoridades prestigiaram o lançamento do Memorial, que se consolida como um marco para a cultura afro-brasileira e reafirma o compromisso do Governo da Bahia com a preservação do patrimônio, o fortalecimento das comunidades tradicionais e a luta antirracista.
“Estamos aqui reverenciando o legado das matriarcas e reafirmando o poder da cultura na preservação de memórias e valorização da história e do sagrado. Para nós do Governo do Estado, é uma enorme satisfação abrir as portas desta casa, com todo esse legado e força, que vai impactar não só as pessoas do Pelourinho, mas todas que aqui passarem”, afirmou o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro.
O projeto expográfico foi concebido para receber novas homenagens ao longo do tempo. O diretor-geral do IPAC, Marcelo Lemos, definiu o Memorial como uma reverência às matriarcas do candomblé. “ Com sua coragem e sabedoria, essas matriarcas reafirmaram a força e ancestralidade do nosso povo, enfrentando preconceitos e intolerâncias. O Memorial é um espaço devalorização, respeito às tradições e às trajetórias dessas mulheres, sacerdotisas que nos deixam como legado a força do axé”.
Odé Kayodé
A primeira sacerdotisa homenageada é Mãe Stella de Oxóssi, celebrada no ano de seu centenário. Com curadoria de Mãe Ana de Xangô, yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonja, e de Ebgome Deusimar, o Memorial se apresenta como espaço de acolhimento, força e beleza.
“O que mais me emociona é sentir a presença de Mãe Stella em cada detalhe: nas fotografias, nos objetos, na palavra escrita, mas também no silêncio da casa, que guarda memórias que não se veem, apenas se sentem. É um lugar vivo, que conversa com o passado, celebra o presente e aponta para o futuro. Ao entrar nesta sala, parece que Maē Stella está lhe recebendo”, disse Mãe Ana de Xangô diante da foto da yalorixá.
Logo na entrada, à esquerda, o público encontra um conjunto de fotografias emblemáticas. À direita, uma linha do tempo apresenta a trajetória de Maria Stella de Azevedo Santos, iniciada no candomblé aos 14 anos por Mãe Senhora, no Ilê Axé Opô Afonjá, quando recebe o nome religioso Odé Kayodé, traduzido do iorubá como “o caçador traz alegria”.
Nascida em maio de 1925, Mãe Stella liderou o Ilê Axé Opô Afonjá por 42 anos. Paralelamente à sua atuação religiosa, formou-se na Escola Baiana de Enfermagem e Saúde Pública, na década de 1940, e atuou por mais de 30 anos como visitadora sanitária. Faleceu em dezembro de 2018, aos 93 anos.
Espaços expositivos
O Memorial reúne cinco espaços expositivos internos. Um deles abriga um terminal de vídeo com entrevistas de Mãe Stella. Em outro, o público pode viver uma experiência imersiva participando de um xirê digital criado pelo VJ Gabiru. Na área externa, um canteiro com folhas sagradas trazidas do Ilê Axé Opô Afonjá e um mural da artista Nila Carneiro homenageiam a yalorixá.
Mãe Ana de Xangô destaca que o eixo central do projeto é a educação crítica, humanista e inclusiva, defendida por Mãe Stella. “O Memorial não oferece apenas objetos e memória, mas caminhos pedagógicos: atividades, oficinas, visitas guiadas, rodas de conversa. A ideia é transformar a curiosidade do visitante em conhecimento e, principalmente, formar jovens conscientes do valor de sua história e identidade”, explicou.
Para a secretária de Promoção da Igualdade Racial, Ângela Guimarães, o memorial é mais do que um equipamento cultural. “Ele (o memorial) é uma ação concreta de enfrentamento ao racismo e à intolerância religiosa. Historicamente tentaram silenciar a força do candomblé e das suas lideranças femininas. Ao celebrar a trajetória das nossas sacerdotisas, reafirmamos a centralidade das matriarcas na construção de uma Bahia plural, diversa e profundamente marcada pela herança africana”, afirmou.
Solar Ferrão
O Memorial das Matriarcas integra o conjunto arquitetônico do Solar Ferrão, cuja reabertura está prevista para janeiro de 2026. A quarta e última etapa das obras de requalificação está na fase final. Com investimento superior a R$ 2,4 milhões, provenientes do Governo Federal e do Governo da Bahia, esta é considerada uma das intervenções mais abrangentes já realizadas no espaço.
As obras contemplam a requalificação das instalações elétricas e hidrossanitárias, pintura da fachada e dos ambientes internos, adaptação de banheiros para pessoas com mobilidade reduzida e recuperação do telhado. O Solar também recebeu melhorias no sistema de segurança, com implantação do projeto de prevenção e combate a incêndio e pânico, incluindo hidrantes, corrimãos, guarda-corpos, sinalização de emergência e rotas de fuga.
Construído entre os séculos XVII e XVIII e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Solar Ferrão é um dos mais representativos exemplares da arquitetura colonial de Salvador. A requalificação preserva suas características originais, assegurando a continuidade do edifício como espaço de cultura, memória para a população baiana e visitantes.
Ascom IPAC



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