Festa da Boa Morte em Cachoeira recebe título inédito do Governo Federal
Evento centenário do Recôncavo Baiano une tradição afro-católica, políticas públicas e homenagens a lideranças femininas negras

Um dos eventos mais simbólicos da cultura afro-baiana, a Festa da Boa Morte, em Cachoeira, foi reconhecida nesta sexta-feira (15) pelo Governo Federal com o título de Promotora da Igualdade Racial. A cerimônia contou com a presença da primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva, da primeira-dama da Bahia, Tatiana Velloso, das ministras Margareth Menezes (Cultura), Anielle Franco (Igualdade Racial) e outras autoridades.
A Irmandade da Boa Morte, composta exclusivamente por mulheres negras, realiza há mais de dois séculos os festejos religiosos e culturais em homenagem a Nossa Senhora da Boa Morte. Criada no século XVII em Salvador, a Irmandade migrou para Cachoeira e desde 1820 mantém viva a tradição com sambas de roda, procissões, missas e celebrações que unem fé católica e raízes afro-brasileiras.
“A Festa da Boa Morte representa a luta histórica de mulheres negras pela liberdade e dignidade. É uma celebração de fé, resistência e patrimônio do nosso povo”, afirmou a ministra Margareth Menezes durante a entrega do prêmio do Ministério da Cultura à sambista Dona Dalva Damaceno, que também foi anunciada como provedora da festa em 2026.
Além do reconhecimento federal, Cachoeira foi incluída no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) e na política nacional de Povos de Terreiro. A prefeita Eliana Gonzaga representou as 13 cidades que aderiram ao sistema e destacou o compromisso com o combate ao racismo:
“É uma alegria representar a Bahia nesse momento histórico e reafirmar nosso compromisso com a igualdade racial em todo o país”.
Investimentos e entregas no Recôncavo
Durante o evento, foram anunciadas obras pelo PAC Cidades para a Casa de Samba de Dona Dalva e o Terreiro Ilê Axé Icimimó, além da entrega da placa de tombamento do terreiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O secretário estadual de Cultura, Bruno Monteiro, reforçou o apoio do Governo da Bahia à festa, reconhecida como Patrimônio Imaterial desde 2010:
“A cada ano, construímos em diálogo com as irmãs essa participação respeitosa, reconhecendo sua luta ancestral por liberdade e justiça”.
Ancestralidade e dignidade
Irmã Neci Santos Leite, que há 17 anos integra a Irmandade e é a provedora da festa em 2024, emocionou-se ao lembrar do papel histórico da entidade:
“Nossa missão sempre foi garantir dignidade às pessoas negras, inclusive na morte. Durante a escravidão, nossos ancestrais eram enterrados sem respeito. Lutamos para que eles tivessem uma despedida justa”.
As integrantes da Irmandade ocupam funções como provedora, escrivã, tesoureira e procuradora, sendo responsáveis por todos os rituais, celebrações e programação cultural da festa.
Programação até domingo (17)
Iniciada na quarta-feira (13), a Festa da Boa Morte segue até domingo (17), reunindo missas, cortejos, sambas de roda e espaços voltados para o empreendedorismo negro na cidade de Cachoeira. O tradicional cortejo das 48 irmãs vestidas de branco e colorido é um dos momentos mais aguardados e representa a força da fé, da resistência e da ancestralidade que ecoa há mais de 200 anos no Recôncavo Baiano.
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