Falando de Dinheiro | A tentação é grande
Raphael Carneiro

Em tempos de ultra processados e de muita facilidade para guloseimas, a escola de Pedro — e acredito que muitas outras, mas só tenho experiência com a dele — tem uma iniciativa bacana para incentivar a alimentação saudável: uma vez por semana é o dia da fruta.
Imagino que o nome não deixa dúvidas sobre o que é o dia, mas é sempre bom explicar. Nesse dia, as crianças devem levar frutas para o lanche, com um detalhe especial: as frutas são compartilhadas entre todos da sala
Incentiva a alimentação saudável e a curiosidade por experimentar novas frutas.
Na teoria, lindo. Na prática, nem sempre.
Na reunião no começo deste ano, a coordenadora contou que na época que a filha dela estudava lá, todo “dia da fruta” a lancheira voltava cheia. Na primeira vez, ela estranhou, mas não falou nada. Na segunda semana, de novo, na terceira, mais uma vez. Foi aí que ela perguntou o que estava acontecendo, já que a filha não tinha rejeição às frutas.
“É que dois colegas sempre levam biscoito recheado e salgadinho. Aí eu prefiro comer o deles”
Sejamos realistas. Haja foco para uma criança se manter na maçã e na banana enquanto o coleguinha do lado abre aquele pacote de biscoito recheado ou faz barulho com o pacote de salgadinho. A tentação é grande.
A saída foi pedir aos pais que não mandassem mais biscoitos recheados e salgadinhos no “dia da fruta”. Podia até ser que a criança não comesse fruta, mas que tentasse enviar um lanche saudável ao menos nesse dia. Se não tivesse a tentação, a chance de se manter na linha era maior.
Isso acontece até com os adultos. Eu, por exemplo, não sou de comer muito doce. Mas, sempre que vamos à Fonte Nova, Pedro pede um pacote de pipoca doce, que quase sempre volta cheio para casa
E a bendita caixa fica ali na cozinha. Parece que a função dela dentro de casa é me chamar. Vou beber água, e a mão vai direto para abrir a caixa e pegar um pouco. Hora de fazer comida? Ah, não serve se não comer um pouquinho de pipoca. Enquanto não acabar, não para. E quando acaba, é como se nunca existisse vontade de uma pipoca doce.
A tentação é grande.
Existem algumas formas de vencer essa tentação. Disciplina, autocontrole, rigidez… mas, para mim, Talvez a forma mais eficaz seja aquela que segue o ditado de “o que os olhos não veem, o coração não sente”.
E aí, mesmo sabendo de toda a dificuldade, você vai e me inventa de entrar em grupos e aplicativos de promoções, com os alertas ativados na tela do celular. O não alertas quaisquer. São daqueles cheios de sirene, exclamação, papagaio e muitas cores. Eles só faltam pegar seu rosto e colar na tela do celular.
Naquela mesma reunião na escola de Pedro, tinha uma mãe ao meu lado que estava fazendo um resumo no bloco de notas. A supervisora falava, ela anotava. Até que surgiu uma notificação cheia de sinais de alerta. Foi tão chamativo que eu logo virei o rosto para olhar também. Ela, que estava no meio de uma frase, clicou imediatamente.
Liquidificador novo com 30% de desconto!!!!!!
Ali, ela entrou em transe. Para ela, a reunião havia acabado. Só interessava que o liquidificador estava mais barato. Dava pra ver o diabinho e o anjinho dos desenhos animados conversando na mente dela
Trinta por cento de desconto. Não dá pra perder.
Mas tenho um liquidificador em casa. Novinho. Comprei há dois meses.
Mas ele pode quebrar daqui a pouco.
Tá na garantia
E se quebrar um dia depois? Pelo menos comprou um barato de reserva
A disputa foi grande, mas se perdeu quando outra notificação surgiu no grupo de WhatsApp. Cafeteira Moka pela metade do preço!!!!!
E lá se foi para um novo transe. A reunião se perdeu no mundo das promoções.
Isso aconteceu em coisa de 20 a 30 minutos. Eu só fiquei imaginando o estrago dos alertas ao longo de um dia, uma semana, aquele sábado chuvoso na sala de casa. O tédio sendo vencido pela euforia de alguns descontos.
Um argumento a favor disso é o óbvio. Os preços estão bons. Se tem promoção, melhor aproveitar. Não dá pra dizer que comprar em promoção é algo errado. Mas posso dizer que pode ser ruim.
Uma coisa é aproveitar o desconto quando você precisa daquele produto. Já procura algo, tem a necessidade e compra com um preço bom. Outra, bem diferente, é comprar só porque está em promoção. Você nem precisa, mas não quer perder a chance. É o famoso Fomo – fear of missing out (o medo de ficar de fora).
Pra não ter a sensação que deixou a promoção escapar, compra. Um liquidificador, uma cafeteira, travesseiro, caneta… e haja promoção. O que seria para economizar em uma compra e aliviar o orçamento acaba se tornando uma dor de cabeça quando a fatura do cartão chega.
A alegria do “economizei” vira o lamento do “gastei demais”.
É a tentação.
É aí que a solução lá da supervisora nos ajuda. Se a ideia é ter uma alimentação saudável, melhor nem ter o biscoito recheado por perto. Se a ideia é não gastar muito, melhor não ter o alerta de uma promoção apitando no celular o tempo todo. Nem sempre somos tão resistentes à tentação quanto imaginamos.
Agora, aproveitando, me conta aí se já se percebeu em alguma situação assim, seja quando conseguiu resistir à tentação ou quando ela foi maior do que sua força de vontade.
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