Falando de Dinheiro #160 | Erros e erros

Todo mundo tem um dia que parece não ter tempo nem pra respirar. A lista de tarefas parece competir com o giro dos ponteiros. Você começa a fazer as coisas e são 8h. Um check atrás do outro, a fome aperta, você nem entende o que está acontecendo e, quando olha o relógio, já passou das 12h. Engole a comida e, de repente, tudo escuro do lado de fora.
Quinta passada foi mais ou menos assim por aqui. Reuniões, formação, duas propostas para fazer e enviar, ida com Pedro ao médico, começo de planejamento com um cliente, finalização com outro… Quando desliguei o computador, ainda foram mais 30 minutos de cabra-cega com Pedro dentro de casa.
O cansaço bateu, mas ainda tinha que arrumar a casa e preparar o jantar dele. Fiz isso. Deixei o jantar no prato e fui tomar banho. Como a gente ia viajar na sexta, pensei em fazer logo a barba pra diminuir as tarefas antes da viagem.
Olhei o barbeador e vi que o pente que costumo usar não estava lá. “Acho que esse aqui é igual”, pensei. Foi passar a máquina na barbicha e o desastre aconteceu. Não estava mais só cansado e sem raciocinar direito. Agora também estava com um buraco no queixo. Parecia o Morro do Careca, lá de Natal.
Como é melhor que o ponto turístico fique no Rio Grande do Norte e não no meu queixo, a saída foi raspar tudo. E aí apareceu um rosto que não era visto desde março de 2020. Foram cinco anos com o bigode e um pouco de barba — depois de dezenas de anos sem nada no rosto.
E cá estou eu, mais uma vez, sem nenhum pelo. Tudo fruto do cansaço de um longo dia, da tentativa de raciocinar rápido sobre um pente diferente e da falta de espaço mental pra avaliar a situação.
É o que chamamos de falta de folga: aquela capacidade de perceber os cenários, de avaliar com calma. Nesse caso, o custo foi uma mudança no visual. Ruim na hora? Sim. Mas agora posso escolher: deixo crescer de novo ou mantenho assim. Vai levar alguns dias? Vai. Mas é um prejuízo administrável.
Poderia, no entanto, ter sido um dano maior, se fosse em outra área da vida. O impacto de uma ação depende sempre do contexto. A decisão pode ser a mesma — os desdobramentos, não.
De vez em quando tomamos decisões que vão gerar esses impactos. E muitas vezes nem percebemos, justamente por falta de folga.
Quer ver?
Lembra quantas vezes você comprou algo que ficou largado no fundo do armário? Ou que usou uma vez e esqueceu que tinha? Imagino que muitas.
Essas decisões talvez não tenham gerado nenhum problema porque você tinha uma folga financeira. Deu pra absorver o gasto sem maiores dores de cabeça.
Agora pense em duas pessoas querendo comprar a mesma calça. As duas são bombardeadas o tempo todo por vídeos, fotos, propagandas, influencers falando da peça. A calça vira quase um símbolo de status. Os amigos têm, os colegas dizem que faz diferença. A pressão é grande.
Pra uma delas, a compra à vista pode não ser possível, mas o parcelamento não compromete o mês. Pra outra, nem parcelar resolve: qualquer gasto fora do previsto vai apertar tudo.
Mesmo assim, ambas cedem à pressão.
Depois de dois usos, a calça se mostra desconfortável. Pura mídia. E lá vai o dinheiro pro fundo do armário.
As duas tomaram a mesma decisão, mas estavam cansadas, ocupadas, mentalmente sobrecarregadas. Foram influenciadas e não avaliaram direito. Pra uma delas, a parcela vira só mais uma linha na fatura do cartão. Pra outra, significa cortar alguma coisa no mês pra dar conta.
Às vezes julgamos com dureza: “Não podia ter comprado, ela não ganha pra isso”. Mas não é tão simples.
A pressão social, a publicidade, os gatilhos de consumo afetam todo mundo. Mas o estrago é maior em quem tem menos. O erro é o mesmo, as consequências não.
A influência atinge igualmente. Mas quem está mais cansado, com menos recursos e mais problemas — como eu naquela noite de quinta — tem menos folga pra pensar. A capacidade de avaliar com calma diminui. E aí, o impacto é outro.
Porque, nesse caso, não é só deixar a barba crescer. Não há mais poder de escolha.
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