Cemitério dos Africanos: Uma história esquecida sob o asfalto
Pesquisa arqueológica revela que mais de 100 mil corpos de pessoas escravizadas foram enterrados no terreno onde hoje funciona um estacionamento da Santa Casa de Misericórdia da Bahia

Uma descoberta histórica em Salvador pode mudar a forma como o Brasil enxerga o passado da escravidão. Sob o asfalto de um estacionamento da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, no bairro da Pupileira, arqueólogos identificaram o maior cemitério de escravizados da América Latina, onde mais de 100 mil pessoas foram enterradas entre os séculos 18 e 19.
A revelação foi apresentada em reunião no dia 21 de outubro, com a presença do Ministério Público da Bahia (MP-BA), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Fundação Gregório de Mattos (FGM) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
A pesquisa, conduzida pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), começou durante seu doutorado. Por meio da comparação entre mapas antigos de Salvador e imagens de satélite, a pesquisadora descobriu que o terreno do estacionamento coincidia com o antigo “Cemitério dos Africanos”.
As escavações iniciadas em maio de 2025 confirmaram a suspeita. Nos primeiros dias, foram encontrados fragmentos de cerâmica e porcelana do século 19; em seguida, surgiram as primeiras ossadas humanas. Segundo os arqueólogos, os sepultamentos eram feitos em valas comuns e rasas, sem rituais religiosos — um retrato cruel da desumanização sofrida por milhares de africanos escravizados.
Mesmo após a descoberta, o local ainda é utilizado como estacionamento. O MP-BA e o Iphan recomendaram à Santa Casa que suspenda imediatamente o uso da área até que o espaço seja reconhecido oficialmente como “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”.
De acordo com documentos históricos analisados por Olivieri, o cemitério foi administrado inicialmente pela Câmara Municipal e, mais tarde, pela própria Santa Casa. Ele funcionou por cerca de 150 anos, até 1844, quando foi inaugurado o Cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação.
Além de africanos escravizados, registros indicam o sepultamento de indígenas, ciganos e pessoas pobres. Há também indícios de que participantes da Revolta dos Malês, da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana possam ter sido enterrados ali.
A descoberta reforça a importância da preservação da memória negra e do patrimônio histórico de Salvador, cidade que foi o principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil.



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