Anunciado conjunto de medidas para tornar usinas solares mais sustentáveis
Documento construído pela sociedade civil e academia aponta formas de evitar impactos sociais e ambientais nos empreendimentos de geração de eletricidade a partir do Sol

Sob título Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada, documento que reúne mais de 40 diretrizes está disponível para o governo público federal, estadual e municipal, além de empreendedores, agentes financiadores (como bancos e seguradoras), sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, membros do Judiciário e da academia, entre outros.
O objetivo do relatório é evitar que a expansão acelerada do setor provoque mais impactos sociais e ambientais. Segunda maior fonte de energia do país, com 22,2% de toda a capacidade instalada da matriz elétrica, a energia solar avança no Brasil. Estudo recente da iniciativa MapBiomas mostra que quase metade (44,9%) da área ocupada por usinas fotovoltaicas está nesse bioma.
O desmatamento da Caatinga no Nordeste para dar lugar a usinas fotovoltaicas aumentou, entre 2016 e 2024, 25,48% na Bahia, 17,35% no Piauí, 16,27% no Rio Grande do Norte, 14,77% no Ceará, 12,22% em Pernambuco e 6,12% na Paraíba.
No rastro da expansão, surgiram impactos não apenas ambientais, mas também sociais. O geógrafo João Paulo Centelhas, da Universidade Estadual do Piauí, participou do lançamento do Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada e destacou os problemas.
“As usinas fotovoltaicas centralizadas apresentam uso intensivo de recursos hídricos em áreas de escassa disponibilidade de água; supressão de vegetação nativa e impermeabilização de solos frágeis em áreas prioritárias para conservação; conflitos fundiários contratuais; ausência da realização de Consulta Prévia, Livre e Informada segundo a Convenção 169 da OIT para populações e comunidades tradicionais; precarização da saúde coletiva e da renda das populações atingidas; e descompasso entre a avaliação/licenciamento ambiental e os efeitos acumulados no ambiente”, cita.
Os autores do relatório destacaram que não são contra as energias renováveis, mas sim à forma como as usinas solares têm sido implantadas. O agricultor Antônio de Souza, que produz caju e castanha em Serra do Mel (RN), lembrou no webinar como a empresa iniciou, em 2011, a negociação das terras hoje ocupadas por 40 aerogeradores.
“Estávamos saindo de um período de seca, com muitas perdas na produção, quando recebemos os contratos de cessão do uso da terra para a instalação da usina eólica e solar. Muitos de nós são analfabetos e, quando, em 2020, a usina começou a funcionar, descobrimos que as cláusulas nos trouxeram mais prejuízos que benefícios”, relata Antônio de Souza. O procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, que participou do webinar, defendeu a exigência de um contrato mínimo de arrendamento de terra, uma vez que há grande diferença de conhecimento jurídico e técnico entre as empresas e os agricultores familiares.
Durante o evento de lançamento do relatório, na sexta (26), o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte (Fetarn), Erivam do Carmo Silva, avaliou o Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada como um mecanismo que caminha no rumo correto da transição energética justa.
“Com a preservação da vegetação e da sociobiodiversidade, além da permanência da população no campo, podendo dar continuidade aos seus projetos de inclusão produtiva. É uma alternativa que contribui com a sucessão rural, sustentabilidade e um futuro mais seguro ambientalmente falando.”
As salvaguardas apresentadas no relatório, de 39 páginas, lançado durante webinar realizado na sexta-feira (26) com a participação de integrantes do coletivo Nordeste Potência e convidados, são direcionadas a múltiplos atores. Entes de governos, órgãos licenciadores, agentes financiadores, comunidades direta ou indiretamente afetadas e empresas podem encontrar noe documento subsídios técnicos, sociais e ambientais para orientar a adoção de boas práticas. Seu objetivo é promover a implantação responsável dos empreendimentos e relações mais respeitosas com os territórios e as populações locais.
A co-coordenadora do Coletivo Nordeste Potência, Cecília Oliveira, considera o Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada um espaço de diálogo entre os povos dos territórios e as empresas do setor solar. “As empresas podem aderir voluntariamente às salvaguardas”, sugere. “Porque o Nordeste não vai mais se curvar aos impactos sem o diálogo. O povo da região faz parte do desenvolvimento e precisa ser escutado.”
Esse é o segundo documento de salvaguardas lançado pelo Coletivo Nordeste Potência. Em janeiro de 2024, foi apresentado em evento online o Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável. Resultado de um ano de discussões, análises e construção coletiva de medidas socioambientais de mitigação, o relatório reuniu mais de 100 diretrizes.
Entre as salvaguardas propostas, o grupo sugeriu um conteúdo mínimo contratual para arrendamento e a priorização de áreas degradadas, e não prioritárias para recuperação, para instalação de centrais a fim de evitar mais desmatamento.
Link para o relatório Salvaguardas Socioambientais para Energia Solar Fotovoltaica Centralizada:
https://nordestepotencia.org.br/wp-content/uploads/2025/09/SalvaguardasSolar_Digital.pdf
Assista ao webinar de lançamento: https://www.youtube.com/live/T6iAsR2Czkw?si=cc0NvHzUKTfKa1q0
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